Sociologia do universo

Sandra Fernandez
O aborto é um dos temas mais polêmicos existentes no cenário mundial. Enganam-se aqueles que o associam apenas à esfera feminina. Esta prática é um objeto manipulado por grupos com interesses variados. Pode ser um fato político quando decide quem irá vencer a eleição para presidência de um país (a exemplo do caso norte-americano); também como uma mercadoria comercial quando disputa os futuros clientes de uma clínica bem moderna com equipamentos e confortos de última geração. O aborto é um fenômeno social quando origina movimentos em defesa da democracia pela liberdade de escolha da mulher. Enfim, poderia ficar enumerando diversos fatores que mascaram a demagogia em torno do assunto, mas o importante é destacar: 46 milhões de abortos são praticados anualmente em todo o mundo. São 46 milhões de crianças que não chegam a existir.
A Ciência, todavia, discute quantas semanas são necessárias para que um feto seja considerado bebê. É interessante deixar claro que não é o fator existência que está sendo discutido e, sim, o tempo. O que na realidade transforma o feto em um indivíduo pronto para nascer é a relação entre mãe e filho. O período que a mulher carrega a criança em seu ventre. Nessa disputa entram diversas convenções sociais que irão determinar, por parte da mulher, a decisão de continuar ou não sua gravidez. O fato de interromper a gestação em seu início, antes que os outros possam saber da sua existência, coopera para o não-julgamento de sua decisão por parte da sociedade. Isto é, o ato de abortar tem fatores externos poderosos como a visão de mundo individualista e até mesmo utilitarista em possuir tudo o que proporciona prazer e abrir mão daquilo que não se encaixa ou dificulta os objetivos últimos.
Richard Sennett, em O Declínio do Homem Público — As Tiranias da Intimidade, diz que o Capitalismo se desenvolveu no século 19 por conta da sociabilidade gerada pela burguesia. As pessoas relacionam-se cada vez mais com as que se parecem com elas. Surge um tipo perverso de comunidade na qual se exclui o que não é igual. A partir da teoria de Sennett, podemos analisar que o individualismo, em seu excesso, pode também excluir aquilo que é capaz de modificar uma vida já idealizada sob um modelo considerado perfeito, isto é, uma criança não esperada pode ser o diferente não desejado nesse modelo perfeito. A solução: o aborto, a exclusão do que não é querido, do que não é igual a mim.
Citei esse autor porque, nas pesquisas das organizações que fazem estudos sobre o aborto, encontramos que pobreza, estupro e má formação dos órgãos são motivos comuns alegados para a prática do aborto. Entretanto, o maior índice de abortos está relacionado ao item “sem motivo”, ou seja, sem uma razão senão o próprio não querer. “Que modelo de sociedade é esse?”, perguntamos então: Como defender a prática do aborto utilizando a Democracia (que é uma teoria de governo brilhante) para legitimar o direito da mulher de excluir o não desejado? É a tirania do individualismo. Daqui a pouco o aborto será sinônimo de exclusão. Excluir possíveis crianças de rua, deficientes físicos, portadores de doenças, raças inteiras. Se não nos preocuparmos com a política de exclusão, estaremos pactuando com a sociedade do conformismo.
Joyce Arthur fez um estudo intitulado “Aborto Legal: o sinal de uma sociedade civilizada”, comparando os benefícios sociais que os países com práticas legais do aborto possuem em relação às demais nações onde a prática é condenada. O aborto, conforme a autora, é provavelmente o procedimento cirúrgico mais comum no mundo. Aproximadamente 46 milhões de abortos são feitos a cada ano, dos quais 20 milhões são ilegais. A cada mil mulheres grávidas, 35 decidem abortar. O risco de morte nesses processos cirúrgicos também foi analisado pela pesquisa, que constatou: em 100 mil abortos, 330 mulheres morrem, por causa de práticas clandestinas.
Em certo momento, Joyce Arthur questiona a posição do Brasil na liderança dos países em fase de pleno desenvolvimento econômico e que não possuem a prática do aborto amparada pela Lei. A pesquisadora menciona que 1,5 milhão de abortos são feitos anualmente no Brasil. Em consequência disso, 250 mil mulheres são hospitalizadas e milhares morrem. Ela finaliza a citação ao Brasil com as seguintes palavras: “Apesar de todos esses motivos, você já deve ter ouvido falar sobre a séria epidemia das crianças de rua do Rio de Janeiro, em que são forçadas ao crime e à prostituição para manterem-se a si mesmas. A polícia as considera vermes, algumas vezes atira nelas como se fossem ratos”.
Ora, é compreensível a intenção da autora em defender aquilo que acredita ser certo, porém, sendo brasileira, não posso aceitar essa afirmação que demonstra o não-conhecimento a respeito das nossas crianças pobres. Se aplicarmos a teoria de que o aborto é a solução para a problemática “menino na rua”, estaremos concordando que quem nasce pobre não pode ter futuro. Isto é, se o aborto fosse uma prática legal, não haveria crianças na rua. Nesse caso, ele seria uma política de eleição. Sabemos da falta de recursos financeiros em muitos lares, mas não significa dizer que somente por ser pobre o indivíduo será ladrão ou optará pela prostituição. No Japão, por exemplo, é notório que muitas adolescentes japonesas de classe média se prostituem para adquirir um último modelo de celular ou para ter uma bolsa de marca famosa. Nesse ponto não podemos relacionar pobreza à prostituição.
É sério e grave o problema da infância pobre no Brasil, mas a discussão é outra: política, educação, cidadania, Solidariedade, mas não o aborto, como alerta o jornalista Paiva Netto no artigo “Direito Constitucional ao Feto”: “Quanto à argumentação de alguns de que é preferível abortar a permitir às futuras gerações viverem em países incorrigíveis na falta de cuidados com o seu povo humilde, trata-se de outra conversa muito mal explicada, porque o crescimento demográfico no Brasil, por exemplo, vem diminuindo. E mais: a mídia tem denunciado a esterilização de incontáveis mulheres brasileiras, desde as idades menores. Se não houver verdadeiro sentido de preocupação social com a nossa gente, as populações deste País poderiam cair à metade do que atualmente existe, e o problema da pobreza não estaria resolvido”.
Ao escrever sobre este tema, comecei a prestar mais atenção à minha volta e descobri a grande quantidade de anúncios de clínicas de aborto em outdoors e nas listas de páginas amarelas nos Estados Unidos. Existe um número 0800 que direciona o cliente para a clínica mais perto de sua residência. O slogan dessa central de serviços clínicos é: Pregnant and scared. We have the solution. (Grávida e com medo. Nós temos a solução.) Resolvi ligar para lá, argumentando que estava grávida e queria ouvir a experiência desses profissionais. Fui indicada para uma clínica de Montclair, cidade de alto poder aquisitivo em New Jersey. A recepcionista atendeu-me com muita delicadeza, perguntando detalhes como idade, seguro-saúde e profissão (estudante tem desconto). Explicou-me que a prática poderia ser de terminação médica ou cirúrgica. Quando questionei qual seria o preço para realizar um aborto, a resposta que obtive foi a seguinte: “Depende da semana em que se encontra a gestação. Até 7 semanas $330; de 7 a 14 semanas $360; de 14 a 16 semanas $580; de 16 a 19 $860; e de 19 a 20 semanas $960. Mais que 20 semanas de gestação é considerado procedimento especial. Qualquer exame ou procedimento médico são considerados adicionais (o que aumenta o gasto do paciente)”.
Se multiplicarmos o número mundial de abortos legais (26 milhões) por $360, chegamos à expressiva cifra de 9,36 bilhões de dólares, e daí para mais. Um negócio bilionário.
Na Irlanda, a luta contra o aborto conseguiu um avanço entre os parlamentares: foi criada uma emenda constitucional delegando ao feto o direito constitucional de nascer. Em vez de feto foi utilizado o termo “criança por nascer”.
Este feliz exemplo dos parlamentares irlandeses vem ao encontro do que registrou o jornalista Paiva Netto, na década de 1980, quanto à defesa legal que o feto deveria possuir em detrimento da arbitrariedade feminina: “(…) Quem desconhece os Deveres Espirituais não saberá respeitar os Direitos Humanos em sua inteireza, incluídos os das vítimas. Eles vão além dos patamares atingidos pelos seus mais atilados defensores, na maioria das vezes adstritos à análise dos fatos pelo critério unicamente material, o que não é suficiente. Cidadania, no seu significado lato, não se restringe ao corpo do cidadão, pois se prolonga ao seu Espírito Eterno. A compreensão disso será uma das maiores vitórias da sociedade no próximo milênio. A personalidade física de cidadão deveria ser estendida ao feto, para que pudesse, por meio de procuração, sob forma que o Direito determinaria, obter capacidade de defesa de sua vida, já que a Ciência está demonstrando que a existência humana tem início no instante em que o espermatozoide adentra o óvulo. E afirma também: “Quanto à possibilidade de o Direito admitir procuração do feto na sua luta inconsciente pela sobrevivência a um causídico, não tem nada de ridículo. Ridícula e, muito mais que isto, trágica é a morte de quem não pode a si mesmo defender”.
É comum vermos no discurso a favor da legalização do aborto o argumento de que país desenvolvido possui democracia forte, rotulando de conservadorismo o ato de lutar contra a prática dele, induzindo a população a pensar pela ótica de uma geração política. Grande erro! Seus defensores transformam-se em algozes da própria Democracia. Como afirma Paiva Netto, “a questão do aborto não é problema de esquerda ou de direita. É uma questão de desumanidade”.
No artigo “Aborto e Vida Eterna”, Paiva Netto argumenta que aqueles que defendem a prática do aborto o fazem firmados na visão distorcida dos Direitos Humanos, fazem-no por desconhecer os Direitos Espirituais. Salienta o autor: “Entre eles, há pessoas dignas do maior respeito. Contudo, seriamente equivocam-se ao pensar que a morte termina com tudo e/ou por ignorar a Lei da Reencarnação, que se trata de misericordiosa oportunidade concedida por Deus para o desenvolvimento de nossas Almas com a correção de nossas faltas. Assim, muitos ainda ignoram que, para o Espírito, por mais absurdo e incrível que lhes possa parecer, muitas vezes é necessário retornar com problemas físicos e/ou mentais, porque precisam livrar-se de desvios do passado (e surgirem luminosos como Espíritos libertos). Erros não apenas referentes ao Ser reencarnante, mas também aos pais que, por isso, no Mundo Espiritual prometeram dar ao necessitado de vencer as provações a oportunidade de voltar à carne. Abortar é, pois, transferir a prova para mais tarde, com acréscimos dolorosos para todos os infratores da Lei da Vida. Aos que apelam para o livre-arbítrio concedido pelo Criador, fraternalmente advertimos que Deus nos deixa moralmente livres, mas não irresponsavelmente livres. ‘De Deus não se zomba’, alertava Paulo em sua Epístola aos Gálatas, 6:7, completando: ‘Aquilo que o Homem semear, isso mesmo terá de colher’”.
O que Paiva Netto está sugerindo é que há tempo para a criação de uma sociedade realmente solidária e altruística, pensando em seus valores e respeitando a Vida. E, prossegue o escritor, em contrapartida à interpretação liberal dos Direitos Humanos: “O Direito tem por dever abrir os caminhos para a integração do humano ao Divino, no campo das relações humanas e principalmente nas de Estado, tendo em vista a situação atual do mundo. Tristemente escreveu Jacques Austruy, em O Escândalo do Desenvolvimento: ‘Fundamentalmente, neste domínio, o papel do poder consiste em tornar a ilusão um bem de consumo e fazer da esperança um lucro’. E não há maior ilusão do que pensarmos que a morte determina o fim da Vida. Este é um equívoco de consequências trágicas para a Humanidade. Quousque tandem? (Até quando?) A respeito de ilusão, ponderou o Dr. Paul Gibier que a chamada realidade (restrita aos sentidos físicos) é a grande quimera dos homens. E qual tem sido a pior fraude consumida pelo mundo? Ser levado a considerar que o material está acima do espiritual. Daí todas as distorções, porque, como afirmava o saudoso Fundador da LBV, Alziro Zarur (1914-1979): ‘O que errado se inicia, errado vai até o fim’. Ora, o roteiro adequado estabeleceu-o Jesus no Seu Evangelho, segundo Mateus, 6:33: ‘Buscai primeiramente o Reino de Deus e Sua Justiça, e todas as coisas materiais vos serão acrescentadas’”.
O Cristo pode ser considerado o fruto da primeira ativista contra o aborto mencionada pela História — Maria, Mãe de Jesus. Quando o Anjo anunciou à Virgem que ela traria aos olhos do mundo o Espírito de Jesus, ela aceitou mesmo correndo o risco de ser massacrada pela sociedade da época. Passados mais de dois mil anos, todos concordam que a sociedade era bem diferente da atual. Maria não era casada. Era noiva. Se ainda nos recentes anos 1970 (recente em relação ao ano 1 da Era Cristã) uma mulher grávida e não casada era discriminada, não temos fatores para mensurar a discriminação sofrida pela Virgem Maria. Entretanto, ela aceitou a missão, de ser a Mãe de Jesus. Isto é, não abortou a sua missão, o que poderia ter feito usando seu livre-arbítrio. E o mais importante é que por todo o Evangelho não vemos nenhuma menção ao disse-me-disse que certamente a gravidez simbólica de Maria causou na época. Pelo contrário, ela deixa um cântico de agradecimento a Deus, afirmando quão bem-aventurada era por ter a oportunidade de ser Mãe (Evangelho de Jesus, segundo Lucas, 1:46 a 55), provando que ser Mãe supera qualquer sofrimento. Ao contrário do que se divulga como uma solução, abortar pode retirar do Eu feminino aquilo que lhe é mais bonito, o seu direito de criação, sua Alma de Mulher.
E, para concluir, este trecho do artigo “A maior das reformas: a do Homem”, de Paiva Netto: “O planeta é belíssimo! Convida à vitória. Mas o Homem… tem sido o que se vê… Por isso, a maior das reformas é a do próprio Homem. Urge neste término de ciclo que esta preceda as demais. A Vida é uma conquista diária. Uma lição de Fé Realizante a todo momento exigida, para que a criatura de Deus não caia na ociosidade, mãe e pai dos piores males que assolam o Espírito e enfermam o corpo, consequentemente. Na verdade, não basta ter agido bem ontem. Necessário se faz melhor caminhar hoje e ainda mais gloriosamente amanhã”.
* Sandra Fernandez é socióloga brasileira radicada nos Estados Unidos.
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